Este blog, criado em janeiro de 2007, é dedicado à minha filha Flavia e sua luta pela vida. Flavia vive em coma vigil desde que, em 06 de janeiro de 1998, aos 10 anos de idade, teve seus cabelos sugados pelo sistema de sucção da piscina do prédio onde morávamos em Moema - São Paulo. O objetivo deste blog é alertar para o perigo existente nos ralos de piscinas e ser um meio de luta constante e incansável por uma Lei Federal a fim de tornar mais seguras as piscinas do Brasil.

O cérebro humano, esse desconhecido

- 19 de novembro de 2012

Dias atrás saiu em algumas mídias, notícia sobre um senhor canadense, de 39 anos, em estado vegetativo há mais de uma década que conseguiu, dizem as notícias, se comunicar com os médicos através de exames de ressonância magnética. Uma das fontes em que a notícia foi veiculada é neste link do G1. Alguns leitores do blog de Flavia me enviaram o link do G1 através de comentários carinhosamente deixados no post anterior. A notícia também pode ser lida no Jornal Folha de São Paulo.

No artigo do G1 pode-se ler que “Os médicos de Routley dizem que a descoberta significa que os manuais médicos precisam ser reescritos”.

Pois é. Convivendo há quase 15 anos com Flavia que tem diagnóstico parecido ao do canadense Scott Routley, tenho fortes motivos para acreditar que pessoas consideradas em coma vigil, estado vegetativo ou estado mínimo de consciência, têm sim algum grau de consciência. Uns mais que outros, obviamente, dependendo da extensão da lesão cerebral sofrida.

Muito tempo atrás, conversando com um renomado neurologista fiz a ele várias perguntas com relação ao estado de Flavia e dentre as respostas do médico, havia esta frase: “No estágio atual da medicina, ninguém pode afirmar com certeza o que se passa no cérebro de uma pessoa em coma”.

Os familiares de pessoas em coma vigil, estado mínimo de consciência ou estado vegetativo, desde que esse familiar seja presente o suficiente para observar reações do seu ente querido nessa condição, reações estas muitas vezes tão sutis, que só o amor nos possibilita ver, perceber e sentir poderá saber o quanto a pessoa em coma está ou não “presente”.

No caso de Flavia – mesmo ela tendo perdido a capacidade de se expressar através da voz, percebo claramente algumas reações e sensações dela, como por exemplo, frio, calor, dor, tristeza, mal estar, bem estar. Não raro, Flavia esboça um sorriso ao ouvir minha voz e o som de meus passos em sua direção. E conforme eu já disse aqui em posts anteriores, percebo mudança na expressão de seu rosto quando coloco músicas para ela ouvir ou quando Flavia ouve as muitas mensagens que ela recebe de nosso amigo António, de Portugal, e que coloco com regularidade para ela ouvir. O mesmo acontece quando leio textos escritos pelo irmão ou quando cantarolo uma musica que eu costumava cantar para ela na infância. Flavia também “reage” ao som dos latidos de Michele, nossa poodle, e se sobressalta e demonstra desconforto com sons estridentes, sejam de pessoas falando muito alto perto dela, sejam de portas batendo, ou o barulho vindo – tarde da noite ou nas primeiras horas da manhã- de pessoas caminhando de salto alto no andar de cima.

O sentido da audição está perfeitamente preservado em Flavia assim como possivelmente podem estar preservados em outras pessoas nas mesmas condições dela. Como o cérebro de pessoas em coma, processa os sons que lhes chegam, não se sabe. Mas saber que esses sons lhes provocam alguma reação é motivo mais que suficiente para que médicos e cientistas se debrucem com mais carinho sobre o assunto e pesquisem formas de manter alguma comunicação com essas pessoas. Que bom seria se além dos cientistas e médicos, os familiares também conseguissem, de alguma forma, se comunicar com seus entes queridos em coma, estado vegetativo ou estado mínimo de consciência. Isso possibilitaria lhes diminuir os desconfortos e aumentar sua qualidade de vida.

Como sei que o barulho incomoda Flavia, dentro do possível, procuro livrá-la dos ruidos excessivos, deixando o ambiente  de nossa casa mais calmo e silencioso. Mas o silêncio com o qual Flavia convive, não é triste, pelo contrário, é um silêncio que nos permite ouvir além de nossas próprias vozes em tom mais suave e portanto mais agradável,  este silêncio também nos permite ouvir  o vento ou o cantar dos pássaros que nos visitam enquanto brincam em nosso jardim. E é como uma vez disse minha amiga Eliane Brum:  "Odele, tua casa é tão silenciosa. Mas o silêncio de tua casa não é triste, porque o silêncio de tua casa fala. E diz coisas lindas!" Eliane, deve ser porque nós aprendemos a ouvir o silêncio. E eu ouço "coisas lindas" através do silêncio de Flavia.

 
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